O Brasil recebeu movimentos migratórios de várias origens que fazem parte da história da formação da população brasileira. Neste contexto, o processo de imigração coreana no Brasil iniciou-se oficialmente com a chegada de 103 imigrantes coreanos ao porto de Santos, em São Paulo, em 12 de fevereiro de 1963 (CHOI, 1991). Hoje, aproximadamente 50 mil coreanos vivem no Brasil, principalmente na região sudeste do país, que é a maior comunidade coreana da América do Sul, segundo o Ministério de Relações Exteriores da República da Coreia, (2022)[1].
[…] em 15 de janeiro de 1961 foi criada, na Coreia do Sul, uma associação de emigração. O golpe militar de 1961, na Coreia, comandado pelo general Park Chung Hee, despertou o interesse de muitos sul-coreanos pela emigração. Dessa forma, chegaram ao Porto de Santos, em fevereiro de 1963, um grupo de 103 sulcoreanos e, em novembro do mesmo ano, mais um grupo de 350 pessoas. Estes grupos foram assentados nas proximidades de Guarulhos e Mogi das Cruzes, no Estado de São Paulo. No ano seguinte, outros dois grupos, totalizando 635 sulcoreanos, chegam ao Brasil e se instalam em São Paulo e no Rio de Janeiro. Nos anos de 65 e 66 mais 1.065 chegaram ao Paraná e outros 3.032, que chegaram entre os anos de 67 e 70, permanecem em São Paulo (OLIVEIRA & MASIERO, 2005, p. 6).
A diáspora coreana ocorreu em diferentes momentos ao longo da história da Coreia, mas vamos falar da migração que aconteceu após a Guerra das Coreias (1950-1953) e durante o processo de industrialização da Coreia do Sul nos 30 anos seguintes ao conflito na península. Para entender melhor essa migração, dividimos a imigração coreana para o Brasil em cinco períodos, com base nos fluxos de imigrantes:
Primeiro Período (1910 a 1956): Antes da oficialização da migração, alguns coreanos chegaram ao Brasil, com os primeiros registros em 1918. Em 1956, prisioneiros da Guerra da Coreia desembarcaram no Brasil com documentos japoneses. Os japoneses já tinham uma presença significativa nos registros de imigrantes.
Segundo Período (1962): Um pequeno grupo de coreanos chegou ao Brasil de forma não oficial.
Terceiro Período (1963 a 1971): Durante essa fase oficial de imigração, os coreanos vieram principalmente para trabalhar na agricultura, mas muitos se mudaram para cidades, especialmente São Paulo, devido a problemas de infraestrutura e legais relacionados à terra. O golpe militar na Coreia do Sul em 1961 também impulsionou a emigração.
Quarto Período (1972 a 1984): Este período foi marcado pela imigração clandestina de coreanos devido às restrições impostas em 1969 devido ao grande fluxo de imigrantes. Os coreanos chegavam a países como Bolívia e Paraguai antes de se deslocarem para o Brasil ou Argentina com vistos de turista emitidos pelos primeiros países. Esses imigrantes coreanos acabavam se aproximando dos bolivianos que já estavam no Brasil e frequentemente trabalhavam juntos na indústria de costura.
Quinto Período (1980 até o presente): Conhecido como imigração em cadeia, neste período, os imigrantes vêm para o Brasil a convite de familiares e amigos já estabelecidos no país.
Além desses cinco períodos, observamos uma sexta fase que começou nos finais dos anos 1990 e continua até hoje. Nessa fase, os descendentes de coreanos emigram para os EUA ou retornam à Coreia, enquanto novos imigrantes continuam chegando ao Brasil através do fluxo em cadeia.
Primeiro e Segundo Período (1910 a 1962) –
Nos primeiros dois períodos de imigração coreana para o Brasil (1910-1962), a Coreia do Sul adotou uma estratégia de emigração semelhante a outros países do leste asiático, como China e Japão, para controlar o crescimento populacional, reduzir o desemprego e receber remessas de dinheiro dos imigrantes para suas famílias de origem.
Em 1918, quatro famílias coreanas chegaram ao Brasil, mas devido à península coreana estar sob domínio japonês na época, essas famílias foram registradas como japonesas, já que o Japão já havia oficializado seus processos migratórios em 1908. Essas famílias coreanas mantiveram sua cidadania japonesa até suas mortes, como apontado por Yang (2011). Além dessas famílias, é provável que outros coreanos tenham entrado no Brasil casados com japoneses, e essas informações não estavam disponíveis.
Durante o conflito na península coreana, um grande número de prisioneiros de guerra foi gerado, com aproximadamente 170 mil prisioneiros norte-coreanos e chineses sob o controle das forças sul-coreanas. Após o término do conflito, esses prisioneiros de guerra foram enviados para a Índia, um país neutro durante a guerra, para resolver questões relacionadas à repatriação ou escolher novos destinos para suas vidas.
A maioria optou por retornar à Coreia do Norte, enquanto cerca de 22 mil escolheram permanecer na Coreia do Sul. No entanto, 88 prisioneiros, 76 norte-coreanos e 12 chineses, decidiram inicialmente permanecer na Índia, com a possibilidade de escolher destinos como EUA, Suíça, Argentina, Brasil, México e Índia. Apenas Brasil, Argentina, México e Índia aceitaram receber esses ex-combatentes. De acordo com Park (2017), cerca de dois anos após sua chegada na Índia, 55 norte-coreanos partiram para o Brasil para começar uma nova vida, seguidos por 12 que escolheram a Argentina. Yang (2011) destaca que esses prisioneiros eram compostos por 50 coreanos e 5 chineses.
Ao chegarem ao Rio de Janeiro, esses ex-prisioneiros de guerra foram recepcionados por coreanos já estabelecidos no Brasil, e a notícia de sua chegada era um tema de discussão na comunidade japonesa. Três deles passaram pela Hospedaria de Imigrantes do Brás em 1956, conforme registros (Anexo A). Todos esses homens eram do norte da península coreana, e é importante notar que dois deles eram presbiterianos, enquanto um era católico. O protestantismo desempenhou um papel fundamental na consolidação da colônia coreana no Brasil.
Devido ao fato de serem solteiros, dispostos a se adaptar à cultura brasileira e com um forte senso de unidade entre os recém-chegados e aqueles que já estavam no país, esses ex-soldados não tiveram dificuldades em encontrar trabalho e se estabelecer. Muitos deles se casaram com mulheres brasileiras ou japonesas, já que ainda não havia mulheres coreanas na região. Como destacado por Yang (2011), alguns desses casamentos foram desfeitos quando famílias migrantes do terceiro período chegaram ao Brasil.
Terceiro e Quarto Períodos (1963 a 1984) –
No terceiro e quarto períodos de imigração coreana para o Brasil (1963-1984), a península coreana estava dividida após a guerra, e o governo recém-formado na Coreia do Sul enfrentou novos desafios. Durante a primeira década após a assinatura dos tratados de imigração (1963-1974), a Coreia do Sul estava sob ditadura militar, com o medo constante de uma nova guerra devido à ameaça comunista. Nesse contexto, a política de emigração se tornou uma ferramenta para resolver vários problemas, inspirada por outros países que lidaram com superpopulação de maneira semelhante.
Os migrantes do norte enfrentavam discriminação no sul, o que os motivou a considerar a imigração como uma opção. O governo militar sul-coreano tinha motivos claros para promover o projeto migratório, incluindo o controle das altas taxas demográficas, a solução do desemprego, a aquisição de moeda estrangeira e a promoção da cooperação com países não comunistas. Além disso, as colônias serviam para aliviar ou controlar tensões internas.
Em 11 de julho de 1962, a embaixada sul-coreana foi inaugurada em Brasília após debates e considerações entre os governos e interessados. A política de emigração incentivou a migração para diversos países, incluindo os Estados Unidos, Europa, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e América Latina, com destaque especial para a Argentina e o Brasil. Essa iniciativa visava lidar com as questões de superpopulação e desemprego na Coreia do Sul, bem como fortalecer laços com nações não comunistas.
Várias pessoas desempenharam papéis cruciais no projeto de imigração oficial que se desdobraria nos anos seguintes, mas Jeong In-gyu e Oh Eung-seo destacam-se como figuras proeminentes. Jeong In-gyu iniciou o interesse pela imigração, enquanto Oh Eung-seo, funcionário do Ministério da Saúde, superou a burocracia e impulsionou o projeto.
Na Coreia, o Ministério da Saúde liderou o projeto de imigração, uma vez que outros ministérios hesitaram devido à complexidade da iniciativa, especialmente durante o governo militar. A Associação de Emigração Coreana foi fundada em 1961 e recebeu muita atenção na sociedade coreana após o início do projeto. Em 1962, uma delegação de 14 membros chegou ao Brasil para detalhes importantes, como adquirir terras e construir moradias para os primeiros imigrantes oficiais, previstos para março de 1963. No entanto, Han Guk-jin, líder da comitiva e vice-ministro da Saúde, percebeu desafios no Brasil, incluindo falta de mão de obra e terras acidentadas. Mesmo assim, o projeto continuou.
Muitos membros da comitiva se tornaram imigrantes nos anos seguintes. Navios foram usados para transportar essas famílias, com o Tjitjalengka sendo o primeiro a trazer imigrantes coreanos ao Brasil. Outras embarcações, como Tjisandane, Ruys, Tegelberg e Boissevain, também transportaram colonos durante o período oficial, todas de origem holandesa.
O acordo entre o governo da Coreia do Sul e o Brasil tinha como objetivo inicial direcionar os imigrantes para o trabalho agrícola, com novos grupos chegando posteriormente para complementar as colônias. Grupos de famílias foram formados para serem destinados a fazendas, semelhante ao projeto entre Brasil e Japão no século passado. No entanto, devido à falta de experiência no campo e à infraestrutura precária, os colonos logo abandonaram as colônias e migraram para grandes centros urbanos, como São Paulo e Buenos Aires, na Argentina.
Em 1964, mais grupos de famílias chegaram ao Brasil, mas conflitos e questões contratuais levaram ao julgamento e à interrupção da aceitação de mais imigrantes coreanos. No entanto, o Brasil concordou em cumprir a cota de 500 famílias do projeto inicial. Nesse ano, dois grupos chegaram ao Rio de Janeiro, mas tanto o governo brasileiro quanto o coreano já haviam perdido o interesse no projeto, pois as fazendas não prosperaram.
Apesar das dificuldades enfrentadas por muitos grupos, a última leva de colonos obteve sucesso em 1966, com a organização das Igrejas Católicas do Brasil e da Coreia do Sul, que estabeleceram colônias em Paranaguá e Ponta Grossa. No final do período de imigração oficial, houve algumas contratações de coreanos por meio de projetos de imigração de mão de obra qualificada para indústrias que se beneficiaram do milagre econômico brasileiro. No entanto, a entrada ilegal de outros coreanos levou à exclusão da Coreia do Sul dos editais de programas de emigração de mão de obra qualificada.
Durante os anos 70, as redes migratórias estabelecidas continuaram a facilitar a migração de sul-coreanos para várias nações. Empresas sul-coreanas exploraram oportunidades de imigração para países árabes, enquanto a Guerra do Vietnã e as relações com os Estados Unidos levaram alguns coreanos a territórios marcados por conflitos semelhantes aos que seus pais ou eles próprios haviam vivenciado. Após o fim desse conflito, muitos coreanos também se dirigiram para países do Sudeste Asiático. Essas dinâmicas migratórias estabeleceram as bases para futuras gerações, incluindo a geração 1,5 e os netos dos primeiros colonos oficiais.
Até o início dos anos 70, a imigração de sul-coreanos em grupos para o Brasil, independentemente de projetos oficiais do governo, era bastante significativa. O sucesso de famílias coreanas em São Paulo motivou aproximadamente 2000 coreanos a imigrarem ilegalmente para o Brasil, via Paraguai, entre 1971 e 1972. A partir de 1973, o governo brasileiro começou a impor restrições aos movimentos migratórios, levando muitos coreanos a explorar rotas alternativas de imigração. Eles entravam pelo Panamá e depois se dirigiam a países vizinhos, como Paraguai e Bolívia, antes de realizar uma migração clandestina para o Brasil, Argentina ou Estados Unidos. Nas décadas seguintes, surgiu a prática dos “corretores de imigração”, que vendiam cartas de chamamento individuais para o Brasil a pessoas na Coreia.
Muitos desses imigrantes ilegais, assim como outros que ingressaram nos países vizinhos e atravessaram a fronteira terrestre rumo ao Brasil, foram beneficiados pelos programas de anistia promovidos pelo governo federal ao longo dos anos.
Quinto Período (1980 até o presente)
Neste período, muitos jovens brasileiros de famílias coreanas estão se mudando para países mais desenvolvidos. Eles são da geração 1.5 ou de gerações posteriores. Também estamos vendo a cultura da Coreia do Sul ficar mais conhecida no Brasil.
No Brasil, eles têm boas relações com a comunidade japonesa e com outras pessoas que vieram de outros países. Eles também são influenciados pela cultura coreana que se tornou popular no mundo. As famílias coreanas incentivam muito a educação, então é comum que os jovens façam aulas de inglês desde pequenos. Muitas vezes, eles fazem isso porque sonham em se mudar para os Estados Unidos ou outro país que fale inglês.
Yang (2011, p. 130-131) classificou os grupos de coreanos no Brasil, após os anos 90 e 2000, em cinco categorias com base em motivo/objetivo, prazo de estadia e época de chegada:
- Imigrantes coreanos e seus descendentes com nacionalidade brasileira.
- Funcionários de instituições governamentais e empresas coreanas em grandes centros urbanos.
- Estudantes universitários de graduação, principalmente estudando língua portuguesa, e pós-graduandos em áreas brasilianistas, também nas cidades grandes.
- Missionários protestantes, vindos da Coreia do Sul ou dos EUA, focados em áreas carentes, comunidades urbanas (especialmente em São Paulo) ou regiões amazônicas.
- Adolescentes (10 a 18 anos) que vêm para treinar futebol em cidades do interior de São Paulo, vivendo em alojamentos exclusivamente coreanos e formando uma “pequena Coreia”.
Neste período, os filhos de coreanos que já vivem em cidades, como São Paulo, costumam assumir os negócios de seus pais. Isso significa que eles não precisam se preocupar tanto em ganhar dinheiro para a família, já que seus pais têm negócios bem-sucedidos e, às vezes, funcionários trabalhando para eles. Com essa estabilidade financeira, esses jovens podem se concentrar mais nos estudos e em atividades sociais. Embora muitos filhos de imigrantes tenham sucesso em seus estudos, a maioria deles acaba trabalhando nos negócios da família. Isso acontece principalmente porque os negócios da família geralmente oferecem mais dinheiro do que trabalhar para outra pessoa ou abrir seu próprio negócio.
A igreja continua sendo um lugar importante para os jovens da segunda geração se encontrarem, além da escola. A igreja oferece atividades para diferentes idades e os familiares incentivam a participação, pois ajuda a fortalecer os laços com a comunidade.
A influência da cultura coreana entre os jovens cresceu devido à globalização, à presença da cultura coreana na mídia, à internet (parte da onda coreana, ou Hallyu) e à popularidade de marcas coreanas, especialmente na área de eletrônicos. Essa geração geralmente se relaciona mais com brasileiros do que com coreanos, seja em amizades ou relacionamentos amorosos. Eles equilibram suas interações entre amigos da comunidade coreana e brasileiros, mostrando interesse tanto nas coisas que acontecem no Brasil quanto na Coreia.
Muitos já visitaram a Coreia em algum momento, principalmente para ver parentes ou passear, o que mostra que eles mantêm laços com sua terra natal e familiares. A maioria aprendeu coreano em casa com a família, geralmente em níveis básicos ou intermediários, e usam o idioma principalmente em casa ou na igreja. A globalização e a onda coreana mantiveram o idioma coreano atualizado com o que se fala na Coreia.
Devido às dificuldades políticas e econômicas no Brasil e em toda a América Latina nas últimas décadas do século passado, muitos descendentes de coreanos decidiram emigrar novamente. Além dos Estados Unidos, muitos escolheram retornar à Coreia do Sul, onde têm parentes e uma qualidade de vida melhor. O fato de já falarem coreano e terem estudado no Brasil facilitou esse retorno, especialmente para a primeira e 1.5 gerações.
Referências
[1] Informação obtida em <https://www.mofa.go.kr/www/nation/m_3458/view.do?seq=56>, no dia 19 de junho de 2022, às 17h02
CHOI, K. J. Além do arco-íris: a imigração coreana no Brasil. 1991. Dissertação (Mestrado) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 1991.
CHOI, K. J. Imigração coreana na cidade de São Paulo. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 40, 31 jan. 1996, p. 233-238.
KIM, M. Bala não tem olho: a guerra civil da Coreia contada pelos ex-combatentes. 1991. Trabalho de Conclusão de Curso (Departamento de Jornalismo e Editoração) – Escola de Comunicações e Artes, USP, 1991.
OLIVEIRA, Henrique Altemani de; MASIERO, Gilmar. Estudos Asiáticos no Brasil: contexto e desafios. Revista brasileira de política internacional, Brasília, v. 48, n. 2, p. 5-28, Dec. 2005.
PARK, H. North Korean POWs seeking last chance to return home after decades in exile. The Conversation, 2 Jul. 2017. https://theconversation.com/north-korean-pows-seeking-last-chance-to-return-home-after-decades-in-exile-79929. Acesso em: 20 set. 2023.
SOARES, F. M. 50 anos de Coreia e Brasil: Histórias, Imigração e Relações. 2019. 101 f. Dissertação (Mestrado Acadêmico em História) – Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências e Letras, Assis, 2020.
YANG, E. M. A “geração 1.5” dos imigrantes coreanos em São Paulo: identidade, alteridade e educação. 2011. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. DOI:10.11606/T.48.2011.tde-04072011-083935. Acesso em: 11 out. 2018.